16/10/2013

Conto - Escombros V


Tudo parece perdido para mim, mas ele não exita em nenhum momento, não sei o que se passa em sua mente e acho que mesmo que pudesse não iria querer saber. Nas condições que estou desejo apenas que consiga fazer o que quer, aumentando nosso tempo de vida, mesmo que que só por mais alguns minutos, quero viver e não vou desistir assim tão fácil, não quero morrer e não vou morrer. O desmoronamento está por sessar novamente, parece que ele consegui conter mais uma vez, invejo sua capacidade, sua força. Os escombros ao nosso redor parece não aumentar, vejo se mover para frente e para trás, sempre rápido e preciso, contenho minha ansiedade.

- Para frente agora, Ana! - grita com forte tom de imposição.

Rapidamente puxo meu corpo para frente forçando minha perna que até o momento estava presa soltando-a com facilidade, sinto um forte formigamento e então me mexo para frente, olho assustada para ele sem imaginar como conseguira essa proeza, vejo que está jogando seu corpo sobre o meu, impulsando ferozmente em minha direção, me preparo para recebe-lo de olhos fechados. Não o sinto chegar, abro os olhos e percebo que está ajoelhado e apoiando a parte superior do corpo sobre os antebraços, nos colocando em uma posição bastante íntima.

- Como você conseguiu livrar a minha perna - pergunto com uma curiosidade imensa, nada que eu fizesse conseguia me livrar dali e misteriosamente estava livre, bastou apenas que gritasse.

- Você sente doer?

- Sim, um pouco.

- Que bom, estava preocupado se conseguiria, coloquei uma alavanca embaixo da viga que prendia sua perna pulei, os escombros fizeram o resto do trabalho.

Suas palavras tranquilizam, parecia saber exatamente o que estava fazendo. Por incrível que pareça, depois desse novo desmoronamento, estamos com mais espaço para locomoção. Eduardo continua parado com a feição séria, analisando o local, sua segurança me encanta, ele está tão diferente de quando o vi pela ultima vez, está maior e mais forte, não sei porque mas tenho a impressão que se pudesse escolher a pessoa que estaria comigo naquele momento, escolheria-o. Desde quando o conheço sempre foi frio, suas atitudes pareciam mais cálculos de sua mente, mesmo seu choro ou seus devaneios tinham um tom de falsidade que não escapavam a minha percepção, completando minha compreensão quando o via fazendo um sorriso perverso, marcante, como o de uma cobra pronta para dar o bote. Mesmo com nossas diferenças, sempre gostei do seu jeito, diferente, psicopata de ser, sem sentimentos ou emoções e assim o chamava de psicopata dominado, em contra-ponto se referia a mim como diamante bruto, gostava quando me chamava assim. As dúvidas começam a imundar minha mente novamente, não me contenho.

- Eduardo, como você conseguiu conter as pedras?

- Sorte - responde com um sorriso presunçoso no rosto.

Sorriu junto olhando em seus olhos e pergunto se está bem, minha preocupação aumenta quando percebo que seu rosto está quase sem vida, diferente de como sempre o via, animado, alegre, explodindo energia, de todas as pessoas que conheço seria o único que conseguiria rir de uma situação como essa.

- Não se preocupe comigo - Ainda com um sorriso presunçoso.

Fico parada olhando para seu rosto, agora que estamos cara a cara, consigo sentir até o cheiro do seu suor, de sua boca, imagino se ao entrar no prédio para me salvar pretendia sair ou se partiu apenas pelo impulso da emoção e mesmo assim, porque arriscaria tudo por mim? porque eu?

- Ana, calma você conseguirá sair - sua voz oscila entre palavras fortes e fracas.

- Nós sairemos! - exclamo minha certeza, uma que não possuo, mas tenho que demonstrar alguma força.

- Quando tudo começou a cair novamente eu percebi que algumas vigas formaram uma pequena passagem que você poderia seguir, mas para isso terei que segurar essa parte - aponta para um região a nossa frente - porém minhas forças estão quase esgotadas, você terá pouco tempo para passar e terá que ir se arrastando o mais rápido que conseguir, acredito ter visto feixes de luz ao final, lá poderá escapar ou gritar por ajuda, tenho certeza que os bombeiros ainda devem está procurando por sobreviventes.

- Mas e você? - Demonstro minha preocupação com uma feição apavorada.

- Eu ficarei aqui, tentando suportar as vigas. - sua calma nesse momento me ilumina.

- Depois que eu passar você vai me seguir?

- Se eu soltar a estrutura pode desabar novamente e desta vez sobre você.

- Eduardo - meus olhos começam a encher de lágrimas -  você não pode ficar!

- Quando estiver livre você diz onde estou e eles vem me buscar, é nossa melhor chance.

Sua fala é sem expressão, quase sem vida, como se não acreditasse em suas próprias palavras, sei que não quero ficar aqui, mas não quero deixa-lo, não sei porque exatamente, mas quero ficar um pouco mais aqui. me aproximo do seu rosto tento beija-lo. Mais uma vez sou surpreendida hoje, desvia a cabeça de meu beijo, não permitindo que o toque com os lábios, olha apático em meus olhos e manda me preparar. Aquela esquiva me deixou muito confusa esse poderia ser o ultimo beijo de nossas vida e mesmos assim não fazia sentido ter enfrentado tudo isso por mim e ainda assim não me querer.

Seus olhos cansados logo ganham vida, como se tivesse concentrado o resto de energia para aquele momento, ergue-se o máximo que pode, aponta com a cabeça na direção que devo correr, apoia duas vigas sobre suas costas e então percebo pela primeira vez os ferimentos que está tendo que suportar. As costas estão completamente rasgadas e dentre os muito destroços existe um que parece um bastão de ferro enfiado na região um pouco abaixo dos ombros e outro enfiado em sua coxa direita quase a atravessando, aquela visão por mais aterrorizante que seja enche meu coração de uma satisfação que também não consigo compreender, sinto-me especial como nunca havia me sentido.

Empurrando as vigas consigo ver a passagem que havíamos conversado, o espaço parece ser extremamente curto, mas saio engatinhando com toda velocidade que consigo. Ao ponto que avanço o caminho vai se fechando e não consigo ver o feche de luz, parece apenas um caminho sem saída, muito já me afastei de onde estava então olho para trás para vê-lo. Seu olhar era frio, estava a me fitar com seus olhos negros e aquele sorriso perverso como se tudo fosse uma armadilha calculada, vejo-o gesticular com a boca tentando me dizer algo, estamos distantes mas consigo entender o que disse, aquilo acertara meu coração como uma flecha, havia entendido o que queria fazer quando me mandou para cá.

Solta então as vigas que segurava e toda a construção começa a ranger novamente, então vejo uma luz atras de mim, como se uma passagem acabasse de se abrir, quando olho, ainda não era o fim, mas consegui ver a luz do dia, me arrasto o máximo que consigo avançar e começo a gritar novamente, dessa vez com esperança em cada grito, sabendo que alguém ouvirá meu apelo de socorro. Alguns minutos se passam quando vejo duas botas de borracha pretas ganhando forma a minha frente, era um bombeiro pedindo para que não me mexesse, fico parada, com um sorriso enorme no rosto sabendo que o pior já havia passado, olho para trás e então meu coração aperta novamente, sinto muito Eduardo...

Sinto ter ganhado uma nova vida, a vida de alguém que passei a maior parte do tempo odiando, alguém que sempre acreditei não ter sentimentos algum e hoje se sacrificara por mim, entregando-se em prol da minha existência e mais que isso, suportando tudo em uma dor silenciosa para que não percebesse seu sofrimento. Quando estava perto de soltar as vigas, olhando em meus olhos, ouvi-lo dizer em meu coração, Meu Diamante Bruto. Entendi que era realmente tudo uma armadilha, uma armadilha para ele mesmo, colocando-se na posição que estava apenas para que pudesse escapar sem um único ferimento grave.

Alguém que nunca me esquecerei, meu Herói!