Secret Garden -
Searching for the past
Estava transtornado, tentando transparecer tranquilidade
e serenidade, o que deveria enganar a muitos já que usava bem seus dons
sociais, mas para olhos treinados, como os meus, sabia que algo o perturbava.
- Conte-me o
que traz novamente aqui velho amigo – Transmito a mensagem com voz firme de
alguém que com certeza compreenderá seus problemas, por mais absurdos que
possam parecer.
- Desculpe o incomodo, mas ela voltou.
- Para sua
vida ou para seus pensamentos?
- Para meus
pensamentos.
- Com que
frequência?
- O tempo
todo.
- Você tentou
algum contato com ela?
- Sim,
virtualmente.
Percebo ligeiramente sua expressão de desapontamento,
sabia que havia feito algo que não devia, tentando trazer à tona aquela que
antes havia sido o motivo de sua profunda depressão. Recaídas são normais
quando se está em um processo de superação e nesse ponto devo ressaltar seu
erro para que entre em conflito e consiga encontrar suas respostas.
- Porque
entrou em contato exatamente?
- Não tenho
certeza, acredito que queria testar minha reação.
- Você sabe
que isso não foi saudável.
Vejo claramente o impacto de minhas palavras, nesse
momento ele tenta encontrar um motivo para seu erro, uma razão lógica quando no
fundo é apenas a rejeição procurando aceitação, o triste procurando a alegria,
o solitário procurando o conforto de outrora, a nostalgia de suas ilusões.
- Eu escrevi
recentemente algo que queria que ela lesse, escrevi seguindo sua recomendação de
relatar todos os sentimentos que tivesse e queria que ela lesse, achei que
talvez fosse a coisa certa, mostrar que mesmo depois de tanto tempo eu ainda
lembrava tão vividamente dela.
Os sentimentos começam a se misturar e começa a entrar em
conflito consigo mesmo, tenta encontrar alguém para culpar ao mesmo tempo que
sabe que o erro é completamente dele e ainda tenta sentir o conforto ao falar
na pessoa em questão.
- Qual a
reação dela ao ler o texto?
- Eu não sei
se ela leu, apenas deixei o link e disse que gostaria de sua opinião, acredito
que seria o suficiente para despertar nela a vontade de ler.
- Porque não
me mostrar o que escreveu.
- Claro,
enviarei o link para o senhor.
Começa a vasculhar em seu telefone o endereço eletrônico em
que depositou suas ideias e como gosta de opiniões diversas principalmente de
pessoas que admira começa a se sentir melhor, orgulho-me de saber que sou uma
dessas. Tirando esses problemas com seus sentimentos este homem é uma pessoa
muito integra e concisa, costumando sempre caminhar pela ética e os valores
morais além de escrever com uma certa peculiaridade, realmente alguém a quem também
ofereço minha singela admiração. Pouco tempo depois encontrou e enviou o link “http://goo.gl/OTkT05”, então comecei a ler.
- É um texto
muito belo e bem específico, porém você entende porque ela começou a invadir
novamente sua mente?
Recebo um forte olhar desconfortante.
- Acho que
sim. Não deveria estar pensando nela e ao escrever novamente cair em uma
armadilha, a vontade de ouvir sua opinião, o desejo que ela percebesse que
aquela mulher perfeita era ela e a dúvida de saber se leu ou não então
confundindo minha mente, fazendo reviver cada momento bom e ruim do nosso
relacionamento pensando nas possíveis reações que ela teria ao ler.
- Você não
poderia estar mais certo.
Aparentemente seu estado de espirito mudou completamente,
aquele coitado que entrou procurando ajuda agora parece ter força suficiente
para ajudar a si e a outros, porém sei que ainda é uma fina máscara que está
vestindo em forma de aceitação e comprometimento com seu erro. Atitude bem
madura, poucos conseguiriam manter essa postura em minha presença caso não
houve real vontade de mudar.
- Ontem à
noite antes de chegar aqui eu tive uma revelação, acredito esse ser o principal
motivo de ter vindo hoje.
- Conte-me.
- Estava
deitado quando involuntariamente fiz uma linha do tempo de minhas ações desde o
momento que o namoro foi encerrado, logo após o termino comecei uma rotina
agitada, festas, mulheres e estava me saindo muito bem, mas logo entrei em
conflito porque aquele tipo de vida não é a que desejo, então comecei a ter
parceiras mais seletivas e até relações mais sérias.
- Uma atitude
comum quando um relacionamento chega ao fim.
- Pena que
não acabou por ai, sempre que tento me aproximar de alguém em um nível
emocional íntimo acabo me fechando e afastando a pessoa de minha vida, acho que
é uma defesa, uma proteção. Aos poucos vou sentindo novamente os desejos por
carinho, dar carinho, mas volto a bloquear e repito o processo defensivo.
- Fale-me
sobre o intervalo de tempo que leva para voltar a ter novamente os desejos?
- Estranho
perguntar, esse tempo vem diminuindo cada vez mais, como se minha mente fosse
criando uma resistência a solidão, até o sexo vem perdendo a graça.
- Entendo.
- O que você
entende?
Sua ansiedade por respostas era evidente, porém tinha que
preparar o seu lado emocional para receber o que viria a seguir.
- Esse modo
de defesa que funciona apenas para afastar as pessoas tem uma causa bem simples
que pode não está percebendo, o que é natural porque é algo muito delicado,
algo que pode fazer você ver o mundo de uma forma diferente.
- O que é?
- Às vezes nosso
instinto age de uma forma que não conseguimos entender a princípio, tomando o
controle das ações enquanto a consciência não consegue. Então você precisa
analisar atentamente o que vou dizer a seguir, porque será uma revelação difícil
de aceitar.
Abaixou a cabeça e respirou fundo, apertou as próprias
mãos controlando sua força e consequentemente suas variações de humor, levantou
os olhos e firmou em minha direção. Dessa vez sentir tremor com seu olhar.
Concentrou em um único momento toda expressão de concentração que existia
dentro de seu ser em um complexo de calma, paciência e segurança.
- Vejo que
está tentando me deixar ansioso e agradeço por isso, aprecio os métodos usados
para me acalmar.
Suas palavras entram em minha mente e causaram bastante
desconforto, poderia ser excesso de maturidade ou mais uma máscara que usara
para me enganar, porém desta vez, diferente das outras não conseguia definir
qual a verdade por trás.
Lembrei do comportamento de alguns animais e fiz uma
analogia. Momentos antes de capturar suas presas algumas espécies de exímios
predadores conseguem entrar em um processo de concentração excepcional. Sua performance
em minha presença o colocou em um patamar acima dos demais e essa segurança que
esta emanando acabou por intimidar meus sentidos.
- O que você
veem fazendo, as pessoas que você afasta de seu círculo são pessoas que ameaçam
aquela ideia que você criou da mulher perfeita, a mesma que relatou muito bem
no texto que pediu para eu ler, porém essa mulher não existe mais, apenas em
sua mente. Sua frustração e ansiedade são frutos do seu reencontro virtual
porque você percebeu que aquela que costumava ser seu dito amor não é mais quem
acreditava que fosse, está diferente, provavelmente amarga e fria, indelicada.
Ou seja, você, meu caro amigo, é vítima de uma peça de sua própria mente, não
se envolver, bloquear, esquecer, reencontrar são sintomas mais que verdadeiros
de uma doença, a doença do medo de esquecer o que considera ser os melhores
momentos de sua vida, mas agora você sabe que é inevitável porque a pessoa que
você amava não existe mais e talvez nunca existiu, era apenas uma fantasia sua
de como queria que ela fosse, e também essa seria a melhor explicação do que porque
ela te deixou, você a pressionou tanto que ela não suportou ser sua mulher
perfeita e foi embora.
Comecei a oscilar nesse momento, percebi que havia dito
muito mais do que devia, expressei de forma emocional e completamente imaturo
meus pensamentos sobre ele, muitas delas que nem havia feito análises ainda,
mostrando um completa falta de profissionalismo em minha conduta,
- Obrigado.
Liberou um sorriso despretensioso em feições calma e subitamente
transparentes. O que me causou ainda mais dúvidas e incertezas sobre a pessoa
que estava parada a minha frente.
- Obrigado
pelo que?
- Por mim dar
a sua paz.
Levantou-se e caminhou em direção a porta. Em ato contínuo
também me ergui em sua direção comecei a correr e mesmo assim meus passo
pareciam pesados. Passou pela porta, olhou em meu olhos.
- Eu não
entendo.
- Obrigado.
Essas foram as últimas palavras que ouvi antes de fechar
a porta e me deixar completamente desolado dentro daquela sala que não parecia
ser mais minha. Até hoje não consigo entender o que aconteceu naquele dia,
quanto mais eu penso menos compreendo. Engraçado quando lembro que já passaram
um mês desde o acontecido e ainda estou com essas dores em mim. Isso é normal?