15/07/2014

Transparência

Secret Garden - Searching for the past


Estava transtornado, tentando transparecer tranquilidade e serenidade, o que deveria enganar a muitos já que usava bem seus dons sociais, mas para olhos treinados, como os meus, sabia que algo o perturbava.
       - Conte-me o que traz novamente aqui velho amigo – Transmito a mensagem com voz firme de alguém que com certeza compreenderá seus problemas, por mais absurdos que possam parecer.
       - Desculpe o incomodo, mas ela voltou.
       - Para sua vida ou para seus pensamentos?
       - Para meus pensamentos.
       - Com que frequência?
       - O tempo todo.
       - Você tentou algum contato com ela?
       - Sim, virtualmente.
Percebo ligeiramente sua expressão de desapontamento, sabia que havia feito algo que não devia, tentando trazer à tona aquela que antes havia sido o motivo de sua profunda depressão. Recaídas são normais quando se está em um processo de superação e nesse ponto devo ressaltar seu erro para que entre em conflito e consiga encontrar suas respostas.
       - Porque entrou em contato exatamente?
       - Não tenho certeza, acredito que queria testar minha reação.
       - Você sabe que isso não foi saudável.
Vejo claramente o impacto de minhas palavras, nesse momento ele tenta encontrar um motivo para seu erro, uma razão lógica quando no fundo é apenas a rejeição procurando aceitação, o triste procurando a alegria, o solitário procurando o conforto de outrora, a nostalgia de suas ilusões.
       - Eu escrevi recentemente algo que queria que ela lesse, escrevi seguindo sua recomendação de relatar todos os sentimentos que tivesse e queria que ela lesse, achei que talvez fosse a coisa certa, mostrar que mesmo depois de tanto tempo eu ainda lembrava tão vividamente dela.
Os sentimentos começam a se misturar e começa a entrar em conflito consigo mesmo, tenta encontrar alguém para culpar ao mesmo tempo que sabe que o erro é completamente dele e ainda tenta sentir o conforto ao falar na pessoa em questão.
       - Qual a reação dela ao ler o texto?
       - Eu não sei se ela leu, apenas deixei o link e disse que gostaria de sua opinião, acredito que seria o suficiente para despertar nela a vontade de ler.
       - Porque não me mostrar o que escreveu.
       - Claro, enviarei o link para o senhor.
Começa a vasculhar em seu telefone o endereço eletrônico em que depositou suas ideias e como gosta de opiniões diversas principalmente de pessoas que admira começa a se sentir melhor, orgulho-me de saber que sou uma dessas. Tirando esses problemas com seus sentimentos este homem é uma pessoa muito integra e concisa, costumando sempre caminhar pela ética e os valores morais além de escrever com uma certa peculiaridade, realmente alguém a quem também ofereço minha singela admiração. Pouco tempo depois encontrou e enviou o link “http://goo.gl/OTkT05”, então comecei a ler.
       - É um texto muito belo e bem específico, porém você entende porque ela começou a invadir novamente sua mente?
Recebo um forte olhar desconfortante.
       - Acho que sim. Não deveria estar pensando nela e ao escrever novamente cair em uma armadilha, a vontade de ouvir sua opinião, o desejo que ela percebesse que aquela mulher perfeita era ela e a dúvida de saber se leu ou não então confundindo minha mente, fazendo reviver cada momento bom e ruim do nosso relacionamento pensando nas possíveis reações que ela teria ao ler.
       - Você não poderia estar mais certo.
Aparentemente seu estado de espirito mudou completamente, aquele coitado que entrou procurando ajuda agora parece ter força suficiente para ajudar a si e a outros, porém sei que ainda é uma fina máscara que está vestindo em forma de aceitação e comprometimento com seu erro. Atitude bem madura, poucos conseguiriam manter essa postura em minha presença caso não houve real vontade de mudar.
       - Ontem à noite antes de chegar aqui eu tive uma revelação, acredito esse ser o principal motivo de ter vindo hoje.
       - Conte-me.
       - Estava deitado quando involuntariamente fiz uma linha do tempo de minhas ações desde o momento que o namoro foi encerrado, logo após o termino comecei uma rotina agitada, festas, mulheres e estava me saindo muito bem, mas logo entrei em conflito porque aquele tipo de vida não é a que desejo, então comecei a ter parceiras mais seletivas e até relações mais sérias.
       - Uma atitude comum quando um relacionamento chega ao fim.
       - Pena que não acabou por ai, sempre que tento me aproximar de alguém em um nível emocional íntimo acabo me fechando e afastando a pessoa de minha vida, acho que é uma defesa, uma proteção. Aos poucos vou sentindo novamente os desejos por carinho, dar carinho, mas volto a bloquear e repito o processo defensivo.
       - Fale-me sobre o intervalo de tempo que leva para voltar a ter novamente os desejos?
       - Estranho perguntar, esse tempo vem diminuindo cada vez mais, como se minha mente fosse criando uma resistência a solidão, até o sexo vem perdendo a graça.
       - Entendo.
       - O que você entende?
Sua ansiedade por respostas era evidente, porém tinha que preparar o seu lado emocional para receber o que viria a seguir.
       - Esse modo de defesa que funciona apenas para afastar as pessoas tem uma causa bem simples que pode não está percebendo, o que é natural porque é algo muito delicado, algo que pode fazer você ver o mundo de uma forma diferente.
       - O que é?
       - Às vezes nosso instinto age de uma forma que não conseguimos entender a princípio, tomando o controle das ações enquanto a consciência não consegue. Então você precisa analisar atentamente o que vou dizer a seguir, porque será uma revelação difícil de aceitar.
Abaixou a cabeça e respirou fundo, apertou as próprias mãos controlando sua força e consequentemente suas variações de humor, levantou os olhos e firmou em minha direção. Dessa vez sentir tremor com seu olhar. Concentrou em um único momento toda expressão de concentração que existia dentro de seu ser em um complexo de calma, paciência e segurança.
       - Vejo que está tentando me deixar ansioso e agradeço por isso, aprecio os métodos usados para me acalmar.
Suas palavras entram em minha mente e causaram bastante desconforto, poderia ser excesso de maturidade ou mais uma máscara que usara para me enganar, porém desta vez, diferente das outras não conseguia definir qual a verdade por trás.
Lembrei do comportamento de alguns animais e fiz uma analogia. Momentos antes de capturar suas presas algumas espécies de exímios predadores conseguem entrar em um processo de concentração excepcional. Sua performance em minha presença o colocou em um patamar acima dos demais e essa segurança que esta emanando acabou por intimidar meus sentidos.
       - O que você veem fazendo, as pessoas que você afasta de seu círculo são pessoas que ameaçam aquela ideia que você criou da mulher perfeita, a mesma que relatou muito bem no texto que pediu para eu ler, porém essa mulher não existe mais, apenas em sua mente. Sua frustração e ansiedade são frutos do seu reencontro virtual porque você percebeu que aquela que costumava ser seu dito amor não é mais quem acreditava que fosse, está diferente, provavelmente amarga e fria, indelicada. Ou seja, você, meu caro amigo, é vítima de uma peça de sua própria mente, não se envolver, bloquear, esquecer, reencontrar são sintomas mais que verdadeiros de uma doença, a doença do medo de esquecer o que considera ser os melhores momentos de sua vida, mas agora você sabe que é inevitável porque a pessoa que você amava não existe mais e talvez nunca existiu, era apenas uma fantasia sua de como queria que ela fosse, e também essa seria a melhor explicação do que porque ela te deixou, você a pressionou tanto que ela não suportou ser sua mulher perfeita e foi embora.
Comecei a oscilar nesse momento, percebi que havia dito muito mais do que devia, expressei de forma emocional e completamente imaturo meus pensamentos sobre ele, muitas delas que nem havia feito análises ainda, mostrando um completa falta de profissionalismo em minha conduta,
       - Obrigado.
Liberou um sorriso despretensioso em feições calma e subitamente transparentes. O que me causou ainda mais dúvidas e incertezas sobre a pessoa que estava parada a minha frente.
       - Obrigado pelo que?
       - Por mim dar a sua paz.
Levantou-se e caminhou em direção a porta. Em ato contínuo também me ergui em sua direção comecei a correr e mesmo assim meus passo pareciam pesados. Passou pela porta, olhou em meu olhos.
       - Eu não entendo.
       - Obrigado.

Essas foram as últimas palavras que ouvi antes de fechar a porta e me deixar completamente desolado dentro daquela sala que não parecia ser mais minha. Até hoje não consigo entender o que aconteceu naquele dia, quanto mais eu penso menos compreendo. Engraçado quando lembro que já passaram um mês desde o acontecido e ainda estou com essas dores em mim. Isso é normal?