29/07/2014

Arco de Criação.

Shawn McDonald - Compass



- Cadê aquela pessoa maravilhosa que conheci naquele dia?
- Morreu, hoje sou apenas um monstro.
- Porque você está fazendo isso?
- Porque é o que sou agora, faz parte de mim.
- Sei que esse não é você, pare Eduardo!
- Desculpe, mas foi tudo perda de tempo.
- Pare Eduardo, pare por favor, você está me machucando!
Encerro com um sorriso, viro-me em direção oposta aos seus olhos e caminho em direção ao futuro. Sei que sou um excelente ator, porque utilizo a verdade absoluta praticamente o tempo todo, procuro sempre está o mais corretamente possível em uma conversa, escuto sempre e falo apenas quando devo. Por isso minhas palavras tem um peso especial, o peso da convicção.
Entre os mistérios do ser humano, o dilema da mudança é com certeza o que mais aprecio em minha viradas cénicas. Ninguém consegue afirmar quem é o outro, por mais tempo que estejam juntos, nunca existirá uma definição lógica e é nessa fraqueza que o medo instala suas presas, e é com essas presas que rasgo as concepções de minha plateia.
Em um mar de altos e baixos revelo a verdade por vezes, a torno indiscutível, deixo-me claro pelo maior tempo possível, faço com que cada palavra pareça ser essencial a discursão, então começo a falar muitos tipos de verdade, confundindo quem tenta entender. Essa técnica é muito usada em grandes apresentações, é necessário que o clímax seja atingido, mas que para isso ele seja preparado e cuidadosamente implantado. Um clímax só acontece quando as pessoas o aguardam.
Um elemento que ainda não discuti nesse monólogo, o que talvez seja o menos importante, eu. Quando atuo sinto o bem estar, é algo que gosto de fazer, sinto prazer em conduzir as mentes para a verdade que acredito ser a real, porém atuar não se trata de verdade, no fundo é a representação dos sentimentos que muito provavelmente não existem. Nesse ponto revelo minha maior fraqueza, eu novamente. Sou muito fraco quando tenho que mentir sobre as verdades que acredito, costumo dizer a todos que tenho virtudes, porém isso não é verdade, mas preciso que todos acreditem nisso, pois é quem eu quero que eles pensem que sou, mantenho minha integridade intacta. O problema da virtude é que sua sobreposição sobre os sentimentos faz com que não possa demonstra-los, sentir seria igual a trair minhas palavras, logo não sinto, pelo menos não demonstro.
Por isso por mais uma vez observe o diálogo.  
- Cadê aquela pessoa maravilhosa que conheci naquele dia?
- Morreu, hoje sou apenas um monstro.
- Porque você está fazendo isso?
- Porque é o que sou agora, faz parte de mim.
- Sei que esse não é você, pare Eduardo!
- Desculpe, mas foi tudo perda de tempo.
- Pare Eduardo, pare por favor, você está me machucando!
Consegue perceber a dor que sinto ao dizer que morri. A morte é o fim, a destruição e decomposição da criatura ali presente que a parti desse momento não será nada além de fertilizante para a vida vegetal que nascerá, essa visão quando refletida tem um peso enorme naquele que o fala, impacto tão grande que afeta aqueles que o apreciam. Concluindo revelo que renasci como um monstro, uma criatura que vive à margem da sociedade por causa de sua aparência ou atitude, mostrando que nada de bom existe dentro de minha mente, mais uma vez algo impactante que deteriora a autoestima, mesmo que seja apenas uma apresentação.
Sobrepondo esse arco, temos a insistência do outro em reafirmar que não sou aquilo que digo, convicto que ainda sou aquele que outrora trouxe felicidade a seu coração apenas ignora a nova versão que estou a apresentar. Nesse momento entro em conflito profundo, entre o que já fui, um ser maravilho aos olhos de quem fala e o que passo a ser, um ser desprezível. Esse conflito, quando falado por alguém que simplesmente não se importa seria muito fácil de ser resolvido, mas em mim, dentro de mim sinto rasgar meu peito, ainda mais ao ver aquele em minha frente começando a entrar em prantos.
Perceba ainda que o sorriso no final não é um sinal de vitória e sim um disfarce para as lágrimas que estão começando a descer, “viro-me em direção contrária aos seus olhos” é apenas uma expressão, uma fuga dos olhos que mostrariam a dor que estou causando, sendo esse o fim completo e definitivo, por isso as frase poética correta seria, “viro-me tentando esconder as lágrimas que estavam começando a escorrer”.

Agora se você conseguiu ver o sentimento por traz das ações que tomei, você percebeu minha atuação, porque transformei a fria crueldade sem significado em uma bela história de dor e confusão e força, sem ao menos comentar a motivação que os personagens tiveram. Apenas fiz algo aparentemente clichê ganhar vida, através das técnicas simples de atuação. Agora, independentemente da escolha que fizer, se ao me despedir era atuação ou não estava sendo frio ou apenas escondendo, você nunca terá certeza da verdade. A única coisa que posso garantir é que esse diálogo foi uma acontecimento de minha vida.